O 25 de Abril de 1974 foi Sonho e foi Esperança !

Vivi o 25Abr74 de mãos cheias de novos sonhos e novas esperanças, naquele dia nascidas, tal como todos os portugueses de então o viveram.

O 25 de Abril foi Liberdade !

Esse foi o grande sonho de Abril, a Liberdade, que o povo viveu de corações ao alto, cravos vermelhos ao peito e, nas bocas das espingardas militares que abriram as portas da Liberdade, nesse dia feita realidade, e esta foi, é e será sempre, a essência da felicidade, individual e colectiva, em qualquer sociedade politicamente organizada.

O 25 de Abril foi o renascer da Alma e do Ser português !

O povo português tinha vivido um longo período de poder autoritário, excessivamente paternalista, cerceador das liberdades políticas, estava cansado duma guerra que se arrastava no tempo sem saídas e ansiava, naturalmente, por quebrar as amarras a esse estado de coisas, limitadoras e redutoras estas da vida da Nação e, poder de novo respirar e renascer, qual Fénix, para novos voos e amanhãs mais promissores, com menos medos, mais primaveras e, sobretudo, com mais Alma e mais Ser Português, e assim foi.

O 25 de Abril foi festa !

Sim, o 25Abr74 foi uma explosão de inenarrável alegria das lusas gentes, que mergulharam, feitas desvairadas e incontidas multidões, ruas fora por esse País adentro, vestidas de cravos vermelhos, abraçadas, beijadas, rindo e sorrindo umas nas outras, inundadas em contentes contentamentos, que se expressavam num sem fim de entusiásticos vivas à liberdade política, acabada de vir à Luz.

O 25Abr74, enquanto festa, cravos e celebração da liberdade e da democracia, continua hoje tão vivo quanto sempre e, bem presente no imaginário de todos nós, mas, os seus primeiros dois anos de vida foram sobressaltados, por vezes agrestes, tendo posto, de quando em quando, os seus valores em causa, mas estes  prevaleceram e estão aí…  comemoram-se hoje de novo pelo País fora, e  no Concelho de Mangualde em particular, com cerimónias oficiais, debates públicos (Junta de Freguesia de Mangualde  às 15:00 horas), festas e outras actividades populares, etc…

O que foi o 25Abr74, enquanto revolução?

Para além duma acção militar de mudança do regímen político em Portugal,  restauradora da liberdade política, o 25Abr74 foi, sobretudo, um processo revolucionário que terminou a 25Nov75; depois desse dia, seguiu-se o exercício normal da democracia.

Foi um processo revolucionário complexo que percorreu altos e baixos, por razões da necessária habituação e ajustamento, político e social, do povo português ao mundo novo da liberdade e da democracia e das suas inerentes implicações, como foram a formação dos partidos políticos, a constituição e consolidação das instituições democráticas, a descolonização, as eleições livres, as lutas dos trabalhadores pelos seus direitos e a busca dum modelo de sociedade, mais justa, mais inclusiva e mais humana, para todos os portugueses, constitucionalmente definida ainda hoje, como sendo “uma sociedade a caminho do socialismo”.

O processo revolucionário iniciado a 25Abr74 foi marcado por quatro eventos fundamentais, que definiram o seu ritmo e as suas diversas etapas, as quais geraram ou controlaram desvios e ditaram reorientações políticas, e que foram os seguintes : – o 25Abr74, o 28Set74, o 11Mar75 e o 25Nov75, tendo este último estabilizado a democracia, que entrou então na sua plena normalidade, até hoje.

Esses quatro incidentes, determinantes do processo revolucionário, estão todos interligados, e foram acontecendo, obedecendo a uma lógica fria de objectivos parcelares a atingir por cada um deles, no âmbito do processo revolucionário e dos seus propósitos mais relevantes, em cada momento.

Nenhum daqueles eventos ocorreu espontaneamente, nem ao sabor dos Capitães em movimento, nem das massas populares em marchas e manifestações; foram sendo implicados, sucessivamente, pelo curso do processo.

À data do 25Abr74 eu era Capitão paraquedista, oriundo da Academia Militar, e participei nos seus preliminares desde Ago73 a Fev74, data em que embarquei para Moçambique.

Onde nasceu, quem, porque, como e para que foi concebido o 25Abr74?

O golpe de estado militar do 25Abr74, enquanto tal, nasceu na Guiné, fruto de circunstancialismos vários, que apenas ali ocorreram e em nenhum outro teatro de guerra, e que foram : –

1º – A crítica situação militar das Forças Armadas Portuguesas na Guiné,  face ao PAIGC, remetidas que estavam as nossas FA´s para uma desmoralizadora situação defensiva, e com um potencial relativo de combate menor.

2º – A quebra do Moral das tropas portuguesas na Guiné, para níveis muito baixos,  quase insustentáveis.

3º – O Governador e Comandante em Chefe das Forças Armadas na Guiné ter sido o General A. de Spínola durante cinco anos, de 1969 a 73 e de, ao longo desses cinco  anos, o General e o seu Staff terem concluído não haver saída militar para a guerra,  ser urgente terminá-la e dar a independência política à Guiné.

4º – Ter o General A. de Spínola entendido que, essa única saída implicava negociações com o PAIGC, (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde,) acerca do fim da guerra e da independência da Guiné, mas, o Chefe do Governo, Marcelo Caetano, foi intransigentemente contra, como tal, as alternativas restantes eram a mudança do regimen, ou a continuidade.

5º- Ser o General António de Spínola uma personalidade dotada de legítimas aspirações e ambições políticas, que se assumiram plenamente neste contexto.

Desenvolveu-se assim, entre o General Spínola e os seus Oficiais de Estado Maior mais próximos, a convicção e a consciência política da necessidade de mudar o regímen e isto, com a eventual colaboração da oposição ao regímen, com a qual havia contactos no dizer do Capitão José Manuel Barroso, Oficial de Ligação do General Spínola com a comunicação social e não só.

Foi, pois, na e a partir da Guiné, que uns poucos Capitães Spinolistas, conceberam, planearam e definiram a estratégia de execução e condução duma acção militar para mudar o regímen e, foi de lá também, que lançaram as acções preliminares para formação do Movimento dos Capitães.

Esses poucos Capitães, umas duas dezenas, não tinham massa crítica bastante para forçar a mudança do regímen e, como tal, houve que pensar em como fazer aderir um maior número a tal objectivo.

Chegados aqui, importa relevar que o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas era, à época, o General Costa Gomes, figura que foi sempre, de forma mais ou menos visível, oposição ao regímen; nesta qualidade, Costa Gomes, sendo o Chefe do General Spínola, influenciou-o muito, nas suas acções político militares na Guiné, que se vieram a traduzir no 25Abr74 e, posteriormente também, até à sua resignação em 28Set74.

Em Julho e Ago73, com uma oportunidade quase premeditada, foram publicados dois decretos, que promoviam a oficiais superiores, largas dezenas de capitães oriundos da Academia Militar, que a tinham frequentado como oficiais milicianos, e que ultrapassavam centenas de outros capitães, estes oriundos também da Academia, mas de cadetes, isto,  contra todas as regras em vigor.

Estes decretos geraram previsíveis, inevitáveis e graves descontentamentos entre os Capitães e oficiais superiores por eles lesados, situação inteligentemente aproveitada pelo grupo de Capitães da Guiné, para arregimentar, no quase imediato, entre os descontentes, umas quatro centenas deles, (foi o meu caso), que se organizaram num movimento de Capitães, com o declarado objectivo de forçarem a revogação dos decretos.

A 1º reunião desse movimento ocorreu em 21Ago73 na Guiné e a 2ª no Alentejo a 9Set73, num monte perto de Évora, estive presente nesta 2ª, ali se decidiu fazer um abaixo assinado solicitando o revogar dos decretos, com cerca de cem assinaturas, depois recolheram-se mais pelas unidades militares, fui dos mais activos nesse processo… e, a maioria destes capitães, como eu,  chegaram ao 25Abr74 convictos, que o objectivo era de facto anular os decretos, o que, espantosamente, nunca se concretizou, antes pelo contrário, foram aplicados a granel depois do 25Abr, sem reacção alguma dos capitães por eles afectados; a liberdade e a democracia conquistadas, pela sua grandeza, aquietou-os, e fez esquecer o móbil menor inicial.

A maioria dos processos revolucionários, por razões de segredo e surpresa, são sempre concebidos, planeados e dirigidos por um grupo limitado, que permanece senhor dos segredos dos deuses, porque a sua quebra pode fazer abortar o objectivo principal e, como tal e por norma, tais segredos são inacessíveis às massas executantes; foi o caso.

Houve, pois, duas realidades participativas diversas no 25Abr74:-  1ª –  A minoria que o concebeu, planeou e levou á execução com os objectivos de mudar o regimen, acabar com a guerra, descolonizar e democratizar. 2ª –  A  maioria que, por manobra de diversão, estava convicta que o objectivo era apenas a revogação dos tais decretos.

O 25Abr foi exemplar, em termos de eficácia na mudança do regímen político pela via militar, pela sua concepção, execução e por ter sido realizado sem sangue derramado.

Os objectivos reais do 25Abr74 foram pois : – 1º – Mudar o regímen; 2º – Terminar a guerra do ultramar; 3º – Descolonizar; 4º –  Democratizar e desenvolver o País.

O 25Abr74, em si mesmo, derrubou o regímen no próprio dia e iniciou de imediato o processo de reorganização da vida política do País em democracia, assim como o processo para pôr fim à guerra e descolonizar.

Levar à execução todos aqueles objectivos foi um processo muito laborioso, complexo, exaustivo, sensível, gerador de muitas paixões políticas e de reacções adversas dos seus muitos actores pró e contra, nacionais e internacionais, cujos interesses eram afectados.

Em consequência, a condução do processo revolucionário que implementou os objectivos do 25Abr74 enfrentou mil e um obstáculos e oposições, nem sempre resolvidas com o melhor bom senso, por vezes com abusos e erros graves, que deixaram marcas na unidade do colectivo nacional… mas, as novas forças político partidárias, em presença, davam os seus primeiros passos na aprendizagem prática da democracia, na busca do seu espaço político próprio e, algumas delas, em obediência às suas influências internacionais ou às suas ideologias, por vezes extremistas e anti democráticas, excederam-se muitas das vezes, ferindo os valores do 25Abr74.

Esses excessos corporizaram-se, muito particularmente, nos eventos do 28Set74, que implicou a renúncia do General Spínola, no 11Mar75 que deteve na prisão de Caxias umas centenas de militares e civis sem mandados de captura e sem culpa formada e, finalmente, o 25Nov75 que conteve extremismos desviantes de esquerda, mas que os corrigiu, estabilizando o atribulado percurso da democracia, até hoje.

Foram estes os incidentes mais relevantes da revolução, que melhor reflectiram as mil e umas contradições, ambições, interesses, paixões, egoísmos e idealismos dos muitos actores políticos na fase de aprendizagem e consolidação da democracia, mas que são a sua essência, a sua alma… e, foram apenas a democracia e a liberdade em movimento e em direcção ao seu melhor.

Que o 25Abr74, enquanto sonho e esperança, liberdade e democracia, continue a inspirar o poder político e a Nação portuguesa a viverem de mãos e corações dados, em comunhão de ideias e, na defesa intransigente dos mais elevados e superiores interesses e desígnios do todo nacional, e não apenas de minorias privilegiadas, para que continuemos coesos, solidários, felizes e amantes dos valores de Abril, sempre !

José Luiz da Costa Sousa

Capitão Paraquedista, á data do  25Abr74