Xanana Gusmão foi o 1º Presidente eleito, natural e incontestado, de facto e de direito, de Timor-Leste, livre e independente.

Xanana mereceu a presidência e o povo de Timor Leste mereceu Xanana Gusmão.  

Servi a ONU em Timor, em 2000 e 2001, no exercício duma função significativa, o que me permitiu conhecer de forma profunda e concreta, a situação de transição para a independência de TL, que ocorreu a 20 de Maio de 2001.

Tive o raro privilégio de conviver profissionalmente com Xanana Gusmão, em diversas circunstâncias, formais e informais; dele me ficou a mais extraordinária impressão; a sua dimensão, como homem e líder, não cabe em adjectivos vulgares; vivi com ele momentos difíceis da sua coragem moral e física, vi-lhe os olhos submersos em lágrimas sentidas, falando às viúvas de guerra ou às crianças, senti a sua inteligência e intuição políticas nos sinuosos caminhos da transição para a independência; sobreviveu física e politicamente, na guerrilha, na prisão e na transição às vicissitudes várias e traiçoeiras dessas vidas; no entanto, mesmo depois da sua Presidência, Timor continuou e continua a  precisar de Xanana, na luta pela manutenção da paz política e social, na luta pela consolidação da independência, interna e externamente e na luta pelo desenvolvimento e progresso do povo timorense. 

Quanto ao povo timorense, ah! quanta beleza na simplicidade do ser e no exotismo delicado dos rostos, sempre abertos em sorrisos de boas vindas; sóbrio, elegante, nobre e leal, vestidos embora de nadas, pois nada têm; se a lealdade tivesse naturalidade seria timorense; ali aconteceram as mais belas lições de lealdade e patriotismo que vivi por esse mundo; os timorenses foram e são leais até à morte, mesmo àqueles em quem acreditaram e lhes foram desleais; deles se pode dizer que nunca traíram, mesmo quem lhes recusou a devida e merecida recíproca lealdade… por politiquismos de circunstância.

Um dia a bandeira verde e rubra, a cuja sombra gerações e gerações deles nasceram, partiu, levada nos ventos da história e na fraqueza dos homens; as gentes de Timor despediram-se dela amontoados nas praias, acenando-lhes dor e tristeza incontidas, pasme-se, com ramos de palmas em adeuses lavados em lágrimas de incompreensão; os donos da bandeira ali sacralizada, cuja sombra nunca os timorenses se atreveram a pisar, foram-se sem mais, sumiram-se no mar profundo, que os tinham trazido, quase cinco séculos antes… 

Pouco depois, chegou nova bandeira, a do poderoso vizinho, alva e rubra, invasora, cobrando obediências, em lagos de sangue timorense derramado, sobre a terra ainda molhada pelas lágrimas vertidas, nos adeuses à fuga da sua amada bandeira, mal desculpada em circunstâncias do momento político.

A bandeira sumida, mas, ainda assim amada, foi escondida nos fundos de malas carcomidas por tempos imemoriáveis e nelas religiosamente guardadas; sabiam que voltaria e voltou pelas mãos da ONU, volvidos anos e passadas que foram, milhares de vidas tornadas cadáveres e duas vezes a terra timorense queimada; um dia, algures em Viqueque, um velhinho timorense, Chefe de Suco (aldeia), vendo-me e sabendo-me português, chamou-me de lado, pediu-me para ir à sua humílima casa, foi buscar uma mala empoeirada de décadas, abriu-a e, debaixo duns parcos haveres, dobrando com inexcedível amor, retirou e desdobrou-me na face a bandeira portuguesa, em sorrisos e alegrias feitas de inocências… fiquei sem palavras, respondi-lhe apenas com um abraço mergulhado em silêncios eloquentes e lágrimas dolentes, que teimosas me escorriam… afogando-me a voz… só lhe disse lágrimas, abraços e nada mais, e fui-me… 

Lado a lado com a ONU, aquela bandeira, que ninguém amou, colectivamente, mais que o povo timorense, voltou a erguer-se nos céus de Timor, no período de Transição para a Independência; mas, finalmente, em 20 de Maio de 2001, pela primeira vez na sua história, o povo maubere içou a sua própria bandeira, em independência e liberdade, bandeira que na ilha nasceu no sangue e na dor do povo e dali, jamais se irá mar fora. 

E como é hoje TL? Timor tem sido e continuará a ser disputado, não só pelas suas riquezas naturais, mas também, pela sua posição geo-estratégica. Apetites insaciáveis ali se degladiam. 

O petróleo em terra corre e o gás natural arde, ambos a céu aberto; no mar, desde há muito, que o petróleo é explorado pelos australianos, que por ele pagam dez reis de mel coado, se é que algo já pagaram do pouco acordado. 

Os portugueses tinham antes de 75 constituído a Timor Oil para o explorarem, mas, nunca o fizeram. Timor tem ainda, nas suas águas territoriais, o maior banco de atum e outro pescado existente naquela parte do mundo, também este explorado, embora não oficialmente, pelos australianos, sem controlo, nem contrapartidas. 

A ilha de Ataúro e Timor são apetecidas posições para bases navais e aéreas americanas. Some-se o potencial turístico e outras riquezas menores e Timor, bem gerido, tem óptimas perspectivas, para dar ao seu povo um bom nível de vida.

No entanto, os referidos recursos naturais e a posição geo-estratégica, condenam Timor à cobiça internacional, como já foi dito, em particular do mundo americano, através da potência sua representante na área; ao desintegrar-se do espaço indonésio-muçulmano, sendo TL católico e situando-se agora na posição da civilização ocidental mais avançada Ásia / Indonésia adentro, Timor é um ponto crítico do mundo, entre dois mundos / civilizações em rota de colisão; assim sendo, a potência regional da área, Austrália, através da missão da ONU, instalou lá mecanismos diversos, que lhe têm permitido e permitirão “orientar” o desenvolvimento político e económico de Timor até hoje e no futuro, tal como fizeram noutros países limítrofes, como o Vanuatu, a Papua Nova Guiné, Fiji,  etc…

Actualmente, toda a ainda incipiente economia timorense e não só, está já claramente na dependência total da Austrália; com as primeiras tropas australianas entradas em Timor, pós-referendum, vieram também civis australianos que montaram, de imediato, embora com carácter provisório, pequenos negócios orientados para captar todos os dólares, que a ONU gastou em Timor, transferindo-os na totalidade para a Austrália; nunca a ONU produziu a legislação necessária em benefício de Timor para controlar a saída dessas  divisas, pesem todos os esforços feitos pela polícia da ONU, que eu comandei, nesse sentido; a exploração dos recursos naturais, as importações e os negócios significativos eram e são dos australianos.

Foi naquele contexto, que Portugal se assumiu como o País que mais dinheiro e mais tudo deu a Timor, sem qualquer contrapartida material concreta, no presente de então ou acautelada para o futuro; quanto aos restantes países doadores, muitos deles  prometeram mentiras em números de dólares muito maiores que Portugal, mas dos quais pouco ou nada deram, excepto números não cumpridos.

Em 2001 todo o orçamento de Timor, 60 milhões de dólares, foi suportado na íntegra por Portugal que, só em dinheiro, doou 15 milhões de contos (60 milhões de dólares), para além de outro tanto ou mais para a cooperação portuguesa

Que todo este apoio de Portugal fique como compensação da responsabilidade histórica e, tendo ficado apenas o português como língua oficial por alguns anos, enfim, é algo mais que nada, somos um país que vivemos de vitórias morais, quando de mais não somos capazes.

Em termos financeiros e não só, Portugal fez muito mais do que devia e, infinitamente mais do que podia; a situação financeira do país era incompatível com tamanha ajuda que virou nossa dívida externa, sobretudo, considerando que o único beneficiário dos recursos naturais e da vida económica de Timor foi e é a Austrália. Esta sim deve ajudar, o que até à data, contrariamente ao propalado pelos média, não aconteceu, antes pelo contrário, tem-se servido e bem.

De certo modo Portugal redimiu-se, neste processo da independência de Timor, do trágico abandono a que votou aquela parcela do território nacional em 1975; Timor segue agora o seu destino,  mais determinado pela lógica inexorável da política internacional, que infelizmente ali tanto se reflecte, do que pelo seu próprio povo; Xanana Gusmão teve no seu tempo a independência e a competência necessárias para lidar com esta situação, fazendo prevalecer os interesses do seu povo sobre terceiros, na medida do possível.  

De Portugal ficará a língua, (até quando?) e a saudade dum tempo passado, que inevitavelmente, se irá findando com as gerações, que nasceram à sombra da bandeira portuguesa, que ali tão adorada foi. 

Parti de Timor em fins de 2001, definitivamente apaixonado e enfeitiçado por aquela Ilha, toda ela mergulhada em cores de buganvílias, sempre brancas e de outra cor, perfumada por mil e um frangipanis, e cantada pelos “toqués” e, nada lhe podendo ofertar, em contrapartida de tais amores meus, dediquei-lhe nessa partida, estes simples e inocentes versos:- 

 

Buganvílias de Timor,

 

Minha ilha, meu amor

 

Um dia…

Sonhei jardins em mim!

Olhei na minha alma,

E lá, num cantinho,

Eternamente em flor,

Sempre brancas e doutra cor,

Havia Buganvílias de Timor,

Místicas fragrâncias de Frangipanis,

Também brancos e doutra cor,

E nos ares, dos “toqués” os cantares,

Anunciavam o tempo do amor.

 

Amor em Timor…

Orgias de libido e cor,

Paixões de desvairados verdes luxúria,

Loucos beijos de azuis mil,

Infinitos abraços de céus e águas mares,

Incandescentes em fogo,

Rubro, laranja e ouro do sol-pôr,

Natureza Mãe em amor!

 

Agora eu sei,

Vive-me a alma em Timor,

Olhando as buganvílias florir,

Nos sorrisos dos rostos em flor,

Das gentes da “minha Ilha”,

Meu amor,

Para sempre,

Timor. 

A Timor…por amor.

 

José Luís da Costa Sousa

Ex Comissário da Polícia da ONU em Timor, de 2000 a 2001