Faleceu recentemente o Exmo. e mui distinto Conde de Anadia (Pai); os Condes de Anadia foram e são a mais notável Família Histórica de Mangualde; parte da História de Mangualde confunde-se com a História da Casa de Anadia.

O Palácio dos Condes de Anadia em Mangualde, o mais majestoso, mais belo e maior Solar do Norte de Portugal e a altaneira Ermida da Nossa Senhora do Castelo são os dois ex Libris arquitectónicos de Mangualde, e são ambos obra da Família Pais do Amaral.

Falar da Ermida da Nossa Senhora do Castelo é falar também um pouco da Casa de Anadia e duma das suas mais icónicas e a mais popular obra do Concelho: – a Ermida da Nossa Senhora do Castelo.

Na serra da Nossa Senhora do Castelo existiu em tempos, num longínquo passado, uma povoação de origem Lusitana, cujos habitantes, mais tarde, dali saíram, para se estabelecerem no sopé da serra e nos vales circundantes, onde construíram novas habitações, que se espalharam por lugares tais como: – a  Fonte do Púcaro, Raposeiras, Quinta da Cerca, Quintas dos Vales de Mouros, etc…

Depois, durante o domínio Romano ou dos Godos, ergueu-se no cume da mesma Serra um Castelo, construído pelos Romanos ou pelos Godos, cuja fundação, erroneamente, é atribuída aos mouros.

Esse Castelo foi tomado pelos mouros depois de 711, quando estes ocuparam a Península Ibérica, e mantiveram-no na sua posse até à reconquista Cristã, sendo o seu Alcaide mais conhecido, um mouro de nome Zurão.

Mais tarde, depois do Castelo ser reconquistado pelos Cristãos, havendo junto dele uma Mesquita, transformaram-na num templo Cristão, dedicado ao culto da Santa Maria do Castelo.

Esta é uma breve resenha histórica da origem da ermida da Nossa Senhora do Castelo; mas, quando é que o culto Cristão foi de facto estabelecido naquela ex mesquita?

Muito provavelmente logo a seguir à Fundação da Nacionalidade, por ser então o culto à Virgem muito fervoroso, do qual foi exemplo El  Rei D. Afonso Henriques, que o evocou em vários Santuários.

A ermida original situava-se numa casa ao lado da chamada residência do ermitão, tendo do lado norte um penedo alto e toscamente cortado, sobre o qual se ergueu um campanário simples, cujo sino foi colocado no lado norte da torre da ermida actual.

Esta ermida foi-se arruinando com o passar do tempo e foi necessário reconstruí-la, conforme diz Frei Agostinho de Santa Maria, no seu Santuário Mariano, em 1717, um século antes da última reconstrução da Ermida, concebida e levada à execução pela Casa de Anadia, na sua forma arquitectónica actual:- “Querem alguns, que a Casa da Nossa Senhora do Castelo fosse uma antiga Mesquita de Mouros, antes que se reedificasse, no século XVI e XVII uma nova Ermida, derrubando-se a antiga que, pelo número de anos, estaria quase arruinada”

Ao Santuário da Nossa Senhora do Castelo, vinham sempre as populações da Beira em massa, no dia da festa da Natividade de Nossa Senhora, dia 8 de Setembro, havendo sempre, na véspera, um rijo arraial profano; são estas ainda hoje as datas das Festas da Cidade de Mangualde, 7 e 8 de Set, e julgo ser esse o evento principal que, nessas datas, a cidade comemora, a festa da Natividade da Nossa senhora do Castelo.

A população das Beiras tinha muita Fé na Nossa Senhora do Castelo, e a Ela recorriam sempre que tinham graves problemas, com preces e promessas e, depois de recebidas as graças, pedidas e oradas, agradeciam à Santa com ex Votos, quadros de simples e humildes pinturas, com um descritivo do milagre ou graça recebida.

Entre esses ditos ex-votos, destaca-se o oferecido por António Couto, membro da Companhia de Jesus, que apresenta o desenho dum mar proceloso, dum barco de velas rotas e um frade de mãos postas rezando e implorando à Nossa Senhora do Castelo o milagre da sua salvação no mar; tem o ex Voto a seguinte descrição: –

“Milagre que fez a Nossa Senhora do Castelo a António do Couto, filho de António do Couto de Cães de Cima, Concelho de Azurara, na jornada da Índia para o Convento de S. Francisco Xavier, da Companhia de Jesus da Cidade de Goa. Embravecidos os mares, quase todos estiveram perdidos, e chamando-se muito a nossa adorada Nossa Senhora do Castelo, quis ela livrá-los de tamanha ruína, no ano de 1717”

Com os ex votos, muitas ofertas eram levadas  à Nossa Senhora do Castelo, tornando-se a Ermida possuidora de muitos bens e dinheiros.

Uma descrição da romaria da N. S. do Castelo, datada de 1758, feita pelo Padre José Rebelo de Mesquita, diz o seguinte:-

“Celebra-se a festa desta Senhora a 8 de Setembro com sermão e missa cantada, saindo da Igreja Matriz uma procissão ornada de muitas moças solteiras, levando à cabeça muitas ofertas de centeio, milho e trigo, linho e dinheiro, que oferecem à Senhora para aumento do seu culto e com elas se incorporam as freguesias da Mesquitela e Cunha Baixa, oferecendo cada freguesia à mesma Senhora, as suas dádivas”

As ofertas foram sendo cada vez maiores e em maior quantidade e a Ermida passou a ter um património mais e mais vasto e rico.

Em 1758, o Padre José Rebelo de Mesquita afirmava ser ele, na qualidade de pároco da freguesia de Mangualde, quem administrava a Igreja da Nossa Senhora do Castelo; em 1759 aparece, constituída e sediada na Ermida, a Confraria ou Irmandade da Nossa Senhora do Castelo.

A Confraria da Nossa Senhora do Castelo representou para as populações do Concelho de Mangualde, que a ela recorriam, como que um pequeno banco de grande utilidade e, por força dessa actividade mutualista, circulavam importantes capitais no Concelho, em nome da Senhora do Castelo.

Como Reitores, ou representantes da Confraria, estiveram sempre nomeados membros da família Pais do Amaral, mas os tesoureiros foram sempre pessoas estranhas àquela distinta família.

O acumular dos juros dos empréstimos e o crescendo de ofertas que a piedade religiosa dos fiéis oferecia ao Santuário da Virgem, aumentaram de tal modo o património da Ermida que, quando a Junta  da Paróquia de Mangualde quis avocar a posse da ermida, os fundos desta foram já calculados em 40.000 cruzados e o seu rendimento anual num  conto de réis (1.000 reis).

Ao longo dos anos o património da ermida foi aumentando, até que nos princípios do século XIX, os Pais do Amaral resolveram construir a actual Ermida, que mereceu e continua a merecer o aplauso, o orgulho e a aprovação de todos, pela sua elegante arquitectura, apesar da sua simplicidade de estilo.

Foi então feita a terraplanagem do cume do monte, o que, infelizmente, destruiu totalmente o que existia ainda do Castelo de Azurara, que desapareceu assim definitivamente.

A torre principal da ermida tem 38 metros de altura, 118 degraus interiores e em caracol, até ao cimo da torre sineira, que é um dos mais belos miradouros da Beira.

A obra foi mandada executar por Miguel Pais do Amaral, da Casa Anadia, para o que foi utilizado todo o capital da Confraria da Nossa Senhora do Castelo e mais os chamados réditos pingues dos ex votos, o que terminou com as actividades mutualistas da Confraria da Nossa Senhora do Castelo, a partir de 1825; a Confraria desaparece nessa circunstância, e foi extinta de facto, tudo de acordo com a Junta da Paróquia da Freguesia de Mangualde.

À época, os capitais mutuados da Confraria da Nossa Senhora do Castelo iam para cima de 12, doze, contos de réis; havia ainda propriedades várias.

Para o efeito da construção da actual Ermida, a Família Pais do Amaral assumiu a administração temporária desta, até serem reembolsados das importâncias que gastaram, para além dos capitais já existentes da própria ermida, gastos esses extras que orçaram em mais 10 ou 11 contos de réis; o custo total da nova Ermida foi computado em 24 contos.

A ermida da Nossa Senhora do Castelo, tal como existe hoje, foi inaugurada em 6 de Setembro de 1832, dia em que o vigário de Mangualde, José Joaquim de Araújo Pacheco, procedeu à sua bênção, tendo sido ele quem celebrou a primeira missa na nova ermida.

Na tarde do dia 7 de Setembro de 1832 fez-se a trasladação da imagem da Nossa Senhora do Castelo, com muita pompa e circunstância, da velha para a nova Igreja; a imagem de granito media 1 metro de altura; nessa tarde pregou o Frei Manuel do Rossio;  à noite houve arraial, queimando-se muito fogo.

No dia seguinte, 8 de Setembro, realizou-se na nova ermida a festa da Natividade da Nossa Senhora do Castelo, sendo orador o pregador régio Francisco da Mãe dos Homens, Cónego da Sé de Coimbra, tendo estado presentes na festividade a música de Viseu e um órgão, um ano depois foi colocado na torre o sino grande, que pesa 26 arrobas e que custou 187$425.

Mais tarde, José Pais do Amaral Pereira de Menezes, da Casa de Anadia, legou, no seu testamento, a Ermida da Nossa Senhora do Castelo e suas dependências à Misericórdia de Mangualde.

A escadaria monumental que, da base do monte sobe até à entrada da ermida, tem 169 degraus, e foi mandada construir, à sua própria custa, pelo Frei Bernardo Pais de Castelo Branco, Cavaleiro de Malta, e Comendador da Comenda do Chavão.

As quatro capelas que ladeiam o escadório, todas votadas ao culto da Virgem, são contemporâneas da construção da nova ermida, o que se conclui pela sua arquitectura, e pelo facto de todas elas terem gravada no exterior, em pedra, a mesma Cruz de Malta que se encontra no tecto da Capela – mor da mesma ermida.

A Nossa Senhora do Castelo e a sua Ermida foram pois, desde a Fundação de Portugal,

o coração e a alma da vida religiosa e das festas profanas de Mangualde; era a ela que os Mangualdenses dirigiam as suas preces e faziam os seus votos, sempre que as contingências, mais ou menos  críticas da vida de cada um assim o exigiam,  era dela que recebiam as graças solicitadas, e era a ela que apresentavam e cumpriam os seus votos, com agradecimentos e oferendas.

A Nossa Senhora do Castelo foi e é a padroeira de todos os Mangualdenses e, nesse seu sacrossanto dever, lá do alto, está sempre com todos nós e a todos nos estende os seus longos braços e abraços, cheios de amor e bênçãos, desde sempre que fomos e somos Portugal.

 José Luís da Costa Sousa

Um Mangualdense

 

Bibliografia: – Publicação “ Concelho de Mangualde” de V. da Silva