foto: Bósnia, Sarajevo, Ministro da Administração Interna Jorge Coelho, Superintendente Costa Sousa e o Contingente da PSP, à saída da cerimónia da “Medal Parade” no Hotel Grand, em 4 de Maio de 1998

O Dr. Jorge Coelho faleceu.

Portugal, as terras de Azurara da Beira e as suas boas gentes, estão de luto pesado, inopinado e injusto, que a todos amortalha em dor, choque, incompreensão, incredulidade e, numa como que recusa teimosa e doída, em aceitar a dura realidade duma morte, prematura e súbita, que chegou a quem e onde, ainda não era de todo esperada.

Portugal e Mangualde, a vida política e, em particular, a democracia e o socialismo, estão hoje mais pobres e fragilizados, pois perderam uma das suas personalidades mais incontornáveis, mais combativa e dinâmica, mais marcante e empenhada no serviço público e, calou-se-lhes uma das vozes mais carismáticas, influente, ética, consensual, pragmática, enérgica, frontal e esclarecida das últimas décadas, da vida política nacional e regional.

Eleito seis vezes Deputado à Assembleia da República, foi Ministro-Adjunto, Ministro da Administração Interna, da Presidência e do Equipamento Social nos governos de António Guterres, de quem foi o braço direito e um amigo sólido e leal, dedicado e muito próximo, até ter resignado, num gesto singular e raro, na sequência da queda da ponte de Entre-os Rios, em Março de 2001.

Com a sua resignação, o Dr. Jorge Coelho assumiu, aberta e corajosamente, as suas potenciais responsabilidades políticas no caso, como Ministro da Presidência e do Equipamento Social que era então, alegando que: – “a culpa da queda da ponte não pode morrer solteira”, gesto que lhe valeu o mais profundo e sincero respeito e consideração de todo o espectro político nacional, e do povo português em geral.

O Dr. Jorge Coelho foi Ministro da Administração Interna de 25Nov97 a 25Out99 e, nessa sua qualidade, eu tive a subida honra e o privilégio de o conhecer pessoal e profissionalmente, em circunstâncias ocasionais, relacionadas com as funções que eu desempenhava na Polícia Internacional da ONU e, mais tarde, como Assessor para a Segurança de Sexa o PR Dr. Jorge Sampaio, e das quais me permito relevar aqui uma delas em particular, que me tornou num admirador incondicional do Político e do Homem, que foi em vida o Dr. Jorge Coelho.

Corria o ano de 1998, Superintendente da PSP, eu estava colocado na Bósnia como Comandante da Polícia da ONU na Região de Tuzla e, desde 1992, cumulativamente, era também Comandante do Contingente de 45 agentes da PSP, ali destacados, e que foram os primeiros portugueses a integrar missões da ONU.

A 4 de Maio de 1998, a ONU ia agraciar o Contingente da PSP com as medalhas comemorativas da Missão, em Sarajevo, numa cerimónia solene, dita “Medal Parade”, isto, na presença de todos os altos dignatários da ONU e das outras organizações internacionais na Bósnia, dos comandantes dos 45 Contingentes de Polícia internacional, das autoridades locais, etc… seria e foi uma grande cerimónia, carregada de simbolismo, pompa e circunstância.

As “Medal Parades” eram sempre os dias maiores de Portugal e da PSP na missão da ONU na Bósnia, assim como para todas as outras nacionalidades.

Em todas as cinco “Medal Parade Portuguesas” anteriores, nunca Portugal se tinha feito representar na cerimónia, por nenhuma entidade política, penso que por simples desconsideração e/ou ignorância do prestígio, que tais missões representavam para os Países participantes.

Naquele 4 de Maio de 1998, o Ministro da Administração Interna, Dr. Jorge Coelho, quebrou a tradição da não presença e, por sua iniciativa, acompanhado duma notável Comitiva, viajou até Sarajevo e foi o Convidado de Honra, “Guest of Honour” da Medal Parade de Portugal, à qual prestou uma visibilidade política e um lustre mediático de excepção.

O brilho da cerimónia, já de si algo impressivo, exponenciado pela presença de tão ilustre “Guest of Honour” e da sua comitiva, integrada esta pelo Secretário de Estado Luís Amado, pelo Embaixador Dr. António Tanger, pelo Director Nacional da PSP e alguns Assessores, assim como a realização de vários outros actos político diplomáticos, foram tema de notícias e muita atenção nos média locais, assim como entre as polícias internacionais, por reflectirem a importância que Portugal afinal atribuía à missão, motivo esse de grande orgulho, vaidade e de elevação do moral da PSP na Bósnia que, pela primeira vez sentiu, depois de cinco anos de missão, que afinal Portugal tinha políticos e governos, que sabiam valorizar a acção da PSP ao serviço da ONU e da Paz-

Foi magnânima a atitude do Ministro Jorge Coelho e Comitiva, pois não só honraram, engrandeceram e celebraram a cerimónia com a sua presença, como também se dignaram jantar e estar presentes numa reunião com todos nós, para nos ouvirem e nos falarem como superiores e amigos, olhos nos olhos e aí, as palavras e o “savoir faire” do  Dr. Jorge Coelho soube, como ninguém mais, aconchegar a alma e compensar a carência de Pátria a quem tão longe da mesma a servia, com dedicação e sacrifício.

Na ex Jugoslávia, a PSP sofreu dois feridos graves nos bombardeamentos contra o aeroporto de Sarajevo em 94, teve dois Subchefes sequestrados durante horas pelos sérvios em 1993 em Knin, sul da Croácia, em plena zona de guerra, e que estiveram na iminência de serem ou não fuzilados, tendo sido salvos in extremis por polícias russos, e passou muitas outras dificuldades graves e diárias por falta de tudo, pois os seus elementos viviam em áreas habitadas, mas mortas de vida pela guerra, etc…  houve ainda a morte dum Subchefe da PSP em 1995, vítima  de cancro induzido pela sua exposição indirecta aos bombardeamentos NATO, contra as posições sérvias em Sarajevo, executados com bombas de urânio empobrecido, mas radioactivo.

E, neste contexto, só o Ministro da Administração Interna Dr. Jorge Coelho, nenhum outro, foi lá ao terreno, para dizer à sua PSP: – “Portugal reconhece os vossos esforços e sacrifícios, muito obrigado a todos”; depois de Jorge Coelho, nunca mais, nem antes e nem depois, houve outra entidade política presente nas “Medal Parade”, ou a visitar, simplesmente, os elementos da PSP naquelas missões, que decorrem sempre em ambientes extremamente adversos, de guerras ou situações pós conflitos, de doenças várias e dificuldades muitas.

Fica aqui um agradecimento póstumo ao Dr. Jorge Coelho por ter sido quem foi, por ter feito a diferença por onde passou como político e ser humano, como no caso que eu vivi e relatei, embora possa parecer coisa pouca no todo nacional, mas não foi, e os Grandes Homens e Grandes Políticos, vêm-se e revelam-se também nas pequenas acções.

O Dr. Jorge Coelho foi um grande Senhor e um Político máximo e, nesta sua qualidade, foi sempre um realizador, um homem de acção, gerador de consensos e de unidade,  solucionador e não criador de problemas, alguém que fazia ser e acontecer, e que foi sempre um eleito do bem e para o bem, e que nunca virou costas às suas raízes beirãs, nem ao seu torrão natal, este seu querido concelho de Mangualde, que trouxe e leva consigo no coração para sempre, tendo sido em vida, incansável nos apoios concretos e contínuos ao seu desenvolvimento político, económico, industrial e social, como todos nós, seus conterrâneos, muito bem sabemos e jamais esqueceremos.

Adeus Dr. Jorge Coelho, descanse em Paz, os Mangualdenses tê-lo-ão para sempre como o seu melhor amigo, como exemplo a seguir e como memória viva do nosso maior político das últimas décadas e dos maiores de Portugal, nesta III República.



José Luiz Costa Sousa