É inequívoca e reconfortante a ilusão de que morremos no instante a seguir à perda.

A mais cruel violência que dói a cada inspiração e que se torna mais agoniante a cada segundo. Uma dor que, de tão enlouquecedora, leva a um estado automático que não permite processamento nem orientação, que nos isola do mundo e de nós mesmos.

A crença e a esperança perdem terreno. Tudo parece desleal, até o próprio reflexo. Acreditámos sempre tanto que algo nos protegia e ficamos despidos de qualquer aparente ilusão nesse sentido.

Somatizamos a frustração e a agonia de uma dor que não tende a melhorar a cada dia. Os “porquês” ganham uma dimensão quase transcendente. As respostas não nos consolam, são parcas para a dimensão das dúvidas.

Nós … que sempre pensámos que morreríamos com eles, insistimos em encontrar razões para continuar a respirar.

A humildade que representa o papel de pai ou de mãe culpabiliza-nos por não termos feito mais, por não termos estado mais e por termos, tantas vezes ralhado por coisas que, agora, nem sentido têm mais.

A raiva alimenta grande parte do tempo. E se achávamos que a morte, em algum sentido remoto poderia trazer paz, mesmo quando a vida se encarregou de nos dar o inferno, estivemos sempre tão errados!

Ao perceber que é real o que sentimos e que se esgotaram todos os fragmentos de possível esperança de término de um pesadelo atroz que nos mata enquanto respiramos …. Cai-se; perde-se o chão; o corpo apenas responde áquilo que a alma não consegue mais suportar. Os gritos, o choro e a ferocidade com que se tenta ser prático e organizado sucumbem em desespero.

… Apenas desespero de algo que não tende em melhorar.

As palavras de ilusório conforto que as pessoas debitam por automatismo de “boas maneiras não estudadas“, tendem a soar em eco, vago e longínquo, que em nada altera ou impacta um estado de espírito que transborda em vazio.

Grande parte dos dias são passados num abismo solitário, acreditando, erradamente, que quanto menos se falar no assunto “melhor arrumamos a cabeça“.

 

Ainda que estejamos certos de que esta dor não tem fim, erguemo-nos desse buraco, insistindo em ter um motivo para se estar vivo, mesmo tendo sempre acreditado que morreríamos também.

 

Muitas outras razões nos fazem ver o sol nascer a cada dia: a família, o trabalho, os amigos, a responsabilidade de apoiar o outro ou, quando tudo parece ser pouco, acreditando que seria o último desejo daquele que não mais voltamos a abraçar.

 

Também as relações tendem em ficar frágeis por se pensar que há sempre um dos lados que sofre mais ou, para não magoar o outro, evita-se o assunto, o nome, o choro, a conversa… evita-se o amor. Afinal, por instantes chegamos a pensar que não mais merecemos amar ou ser amados.

 

Por considerarmos ser absolutamente inconcebível a cura desta dor, recusamos pedir ajuda.  

 

Procurar ajuda, sem culpa, remorso ou resistência, pode diminuir a perceção de inferno onde acredita estar. Orienta, desconstrói e organiza. A terapia abre a janela para poder olhar em frente e permite encontrar estratégias para lidar com uma dor que veio para ficar.

Nunca sairemos vitoriosos de uma batalha que teimamos em não enfrentar.  

Procure ajuda, apressadamente!

 

Artigo de opinião da Dra Joana Pinheiro

Psicóloga no Hospital da Cruz Vermelha (Lisboa)